Sou uma velha rabugenta de 90 anos que mora no corpo de uma jovem de 18. Não sei qual de nós duas é mais preguiçosa e desesperançosa. Eu ando arrastando minha bengala e reclamando de dores aqui e acolá, dizendo que é tarde demais para mim, que tudo o que eu teria que viver já vivi. O jeito é comprar uma casa com quintal grande e criar muitos gatos. Mas aí você me lembra que por fora ainda somos uma jovem aparentemente saudável e alegre, porém tão cansada quanto eu. E nossa vida é só brigar e competir qual das duas está pior.
Não sei qual dos meus órgãos vai parar primeiro antes que eu chegue aos 19, dos 20 talvez. A vida me cansou, por dentro e por fora. Estou cheia de teias de aranha, velha e cheia de pó. E mais do que sujeira, tenho lembranças, cicatrizes horríveis de quem não teve pena da minha pouca idade ou da minha idade avançada. Veio e me encontrou jovem e com bochechas rosadas. Foi embora quando meus olhos não brilhavam mais, meu sorriso era dentadura e meu coração palpitava fraco, descompassado, pedindo para parar.
Assim como eu, meu coração está velho, cansado, quase morto. Eu e ele só queremos descansar em uma rede, balançando até que o fim chegue. Mas ai o despertador grita ao meu lado e eu lembro que ainda tenho uma vida pela frente e começa a rotina enfadada de sempre. Acorda. Toma banho. Escova os dentes. Come. Veste. Calça. Corre. Ônibus. Pessoas ranzinzas. Trabalho. Mais pessoas. Tédio. Coréia do Norte. Dane-se. Ele. Ele com ela. Estou velha. Velha demais para me importar, louca demais para reagir. São só 18 anos, idade que me obriga a seguir sem eu querer. Ah se eu realmente tivesse 90 anos. Que bom seria.
Ah, o que uma velha caduca como eu está dizendo. Não lembro nem onde coloquei as meias que estão ao meu lado. Não lembro nem onde está meu celular nas minhas mãos. Mas a velha, lembra certinho o nome do moço que roubou e destroçou seu coração. E ela tem memória suficientemente fraca para esconder toda a raiva e ódio quando ele sorri. Memória fraca para esquecer a fala ensaiada das merdas que ia fazer ele ouvir.
Agora já foi. Minha frágil saúde não deixa. Meus nervos atacam. Os olhos não enxergam. O ouvido só tem um zumbido que incomoda o tempo todo. As mãos incontroláveis, tremem tanto quanto as pernas. O rim não funciona. O estômago está no ponto morto. A garganta rouca. O coração doente de tanto te tragar, maldito. Olha só para mim, uma jovem de noventa anos. Olha só o mal que você me fez, envelheci de amor. Envelheci para me convencer que já é tarde demais. Morri, do mal de amor. Aquele que mata muito mais do que idade avançada.
Mônica Monteiro
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