Image Map

A Fotografia Embaixo da Poltrona


Como todos os homens de meia idade, ele pensava em seu passado e via como sua juventude fora diferente da dos jovens dos dias de hoje.

Nunca foi um homem sociável, saía de casa apenas quando necessário. Não tinha amigos, nem quando criança, e muito menos agora, quando adulto.

O seu rosto solitário não possuía mais expressão. Era impossível saber quando estava triste, com raiva ou, porque não, feliz. Esquecera quando havia sido a última vez que sorriu ou deu uma gostosa gargalhada.

Todos esses pensamentos pulsavam em sua mente. Estava agora, sentado em sua poltrona, no lado mais escuro da sua sala de estar.

A casa cheirava a mofo, a única corrente de ar que passava por ali era a de uma janela entreaberta que ele nunca abria completamente, a luz do sol, trazia um tipo de felicidade que ele, há tempos, se sentia incomodado por sentir.

Seu rosto enrugado estava coberto por uma barba mal feita, seu hálito cheirava mal, seus cabelos sujos, oleosos e embaraçados há semanas não eram tratados. Ele parecia ser um pedaço sujo e solitário daquela casa sombria.

Eram quase quatro horas, estava quase na hora. Levantou-se de sua poltrona, e foi para o quarto.

Sua cama estava cheia de traças e um lençol ralo a cobria. Sentou-se no mesmo canto de sempre, sua marca já estava impressa no colchão de espuma velho. Abriu o guarda roupa, havia poucas peças ali, a única que parecia estar guardada com cuidado era um paletó que já havia saído de moda.

Apanhou-o e o vestiu. Olhou-se no espelho trincado, era estranho ver sua própria face, ele não se olhava há quatro dias.

Voltou para a sala de estar. Estava quase tudo escuro agora, apenas um fino feixe de luz passava pela janela quase totalmente fechada. Acendeu algumas velas e sentou de novo na velha poltrona.

A buzina de um carro soou longe. Tirou de baixo da poltrona a única coisa que ele talvez, realmente gostasse, um porta retratos. Seu rosto inexpressivo se contorceu levemente ao abri-lo.

E lá estava ela, a foto da bela mulher que ele há vinte anos não via. Ela sorria alegremente para o homem, nem parecia que viria a morrer de câncer no cérebro.

Uma lágrima suja caiu no velho paletó, que ele usara no enterro da mulher da foto. Havia um motivo para ele não ser sociável. A única pessoa que realmente gostou na vida se foi, e o deixou sozinho. Aquela sensação era inexplicável.

Ele se lembrava como se fosse ontem, a dor, apesar de antiga, estava muito viva em seu corpo. Sim, algum dia ele já fora feliz, já dera boas gargalhadas, já sentira como era amar e ser amado. Hoje, porém, estava só, em uma casa velha e suja, e a única coisa que lhe importava na vida era reviver as lembranças da mulher morta que posava para a foto.

Para ele, era melhor viver na extrema solidão. Pois a solidão nunca abandona o sujeito, ele a encarava como se fosse uma amiga. Uma amiga antiga, silenciosa e eterna.

Pronto, a saudade fora matada. Ele voltou para seu quarto, guardou o velho paletó cuidadosamente no guarda roupas e sentou-se no mesmo lugar na cama.

A solidão tornara-se gostosa para ele. Talvez seja apenas um homem traumatizado com a vida, o amor, a melhor sensação do mundo, fora arrancada dele sem que pedissem licença.

A casa era vazia, um estranho cheiro de podre que lembrava ratos mortos pairava pelo ar. Mas o homem, porém, continuava ali, imóvel e sozinho.



Gabriel Rodrigues

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...